O mineiro Tarcísio Teatini Climaco foi para a Austrália em 1989. Tinha a intenção de negociar artigos de couro mas acabou dançando... literalmente!
Embora frequentador de gafieiras, Tarcísio era bailarino e coreógrafo profissional em dança moderna e contemporânea. Com atuações nos palcos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Teatro Amazonas, Teatro Guairá, entre muitos outros. Mas foi com a bagagem adquirida em suas passagens pelas academias dos mestres Jaime Arôxa, Carlinhos de Jesus, Marquinho Copacabana e Jimmy de Oliveira que Tarcísio mudou completamente o rumo de sua vida. Farejando o potencial do mercado australiano para danças latinas, ele fundou a Rio Rhythmics Latin Dance Academy e hoje, estabelecido há 18 anos na cidade de Brisbane, a terceira maior cidade australiana, ele é responsável pela ida de alguns de nossos melhores profissionais de dança para temporadas – e até contratos de longo prazo – de aulas e shows.
Diretamente da Austrália, Tarcísio concedeu a seguinte entrevista à editora do Falando de Dança.
- Você chegou a Austrália para negociar couro e acabou montando uma academia de dança. Como foi essa reviravolta? Como descobriu essa “mina”?
Bem, a história é longa, mas vou chegar lá. Minha vida sempre foi devotada à dança. Fui capoeirista, me formei com Mestre Bimba, o grande Mestre no qual me inspiro muito. A capoeira me levou para dança (balé, moderno, jazz, sapateado e contemporâneo). Comecei a dançar profissionalmente em 1972. Mas a dança com parceiro era somente um hobby. Sempre vi meu pai dançando com minha mãe, sempre dançamos em casa, minha família é toda de músicos. Quando era bailarino saía do teatro depois dos shows e ia relaxar dançando com minha namorada, que era fera em dança. Adorava dançar samba no pé também. Fui passista de uma escola de samba uma vez. Sempre tocávamos muito samba em casa, toda minha família gosta muito de dançar. Nada especificamente estruturado ou academisado, só dançar junto. Nunca tinha pensado em ensinar ou fazer shows de dança de salão ou samba no pé, sempre dancei por paixão, sem muita idéia de estrutura e passo específico. Eu estudei 5 anos na faculdade de engenharia mas felizmente fui resgatado pela dança, com uma bolsa para trabalhar e estudar no teatro Guairá, em Curitiba. Tranquei a matrícula no curso de engenharia mas nunca mais voltei. Só voltei para a universidade muitos anos depois para fazer Educação Física, em Goiânia, onde me casei, me formei e dei aulas na Universidade de Educação Física por quatro anos. Também tinha academia de dança, ensinando balé, sapateado e moderno. Nunca tinha pensado em ensinar dança a dois. Aí minha segunda esposa teve a idéia de abrir uma fábrica de artigos de couro. Ela estava cansada da vida de bailarino pobre. Imagina um casal de bailarinos há 25 anos atrás no Brasil! Resumindo muito, a fábrica de artigos de couro me levou para a Austrália. Aqui, um dia, eu e minha esposa estavámos dançando numa festa e o dono da banda me chamou para nos apresentarmos com a banda, para nós fazermos shows também. Isto foi quando o Kaoma explodiu fazendo sucesso na Europa em 1989 (no ano que cheguei). Esse foi o meu primeiro passo de volta à dança (toda essa história será contada num livro que estou escrevendo a respeito de dança e minha trajetória na Austrália). Nunca pensei em grana. Descobri que o anglo-saxônico precisa desesperadamente de contato humano e também de se expressar através da dança e do movimento. Sempre gostei da idéia de contribuir para a sociedade onde vivo. E essa foi a minha “mina”, foi a vontade de contribuir para a formação da cultura australiana, que ainda está em formação. Dança é uma necessidade social. Shows são secundários. Contato pessoal e comunição é tudo. - Você montou logo academia ou fez transição em outras academias da Austrália?
Bem, no começo o pessoal nos via dançar e me pedia para dar aula. Minha esposa resolveu sair da Austrália depois de menos de um ano aqui. Em consequência, tive que treinar a primeira australiana a dançar (do zero absoluto, sem nem saber o que é samba ou qualquer outro ritmo latino). Comecei a dar aulas particulares mas descobri que, para ensinar o australiano a dançar como dançamos, eu tinha que pensar diferente, replanejar tudo. Ensinar passo era secundário. O primeiro ponto era ensinar a sentir o que sentimos quando dançamos. Os meus estudos de anatomia e fisiologia ajudaram muito. Tive que entender bem como nós, brasileiros, fisiologicamente andamos, e que músculos usamos para dançar do jeito que dançamos. Tive que aprender a ensinar o autraliano primeiro a andar como andamos e usar os mesmos músculos. Tudo é muito diferente (como disse, é material para um livro inteiro). Parei de dar aulas particulares e fui ao Brasil estudar dança de salão pela primeira vez, ver estilos diferentes em academias diferentes. Sempre dancei muito socialmente, ia muito a lambaterias, dancei muito forró no nordeste, não perdia uma chance de cair no samba - mas nunca tinha tido aula de dança acadêmica, como samba de gafieira por exemplo. Estudei muito, dia e noite, no período que fui ao Brasil, e ainda mais quando voltei. Analisei tudo que aprendi, estudei a fisiologia de cada movimento e passo, pensei muito na nossa cultura, na dança espontânea fora das academias, e nas danças estruturadas e cheias de regras das academias. Analisei o lado psicológico da dança e a razão porque dançamos. E a razão porque muitas pessoas procuram uma academia de dança inicialmente. E o fenômeno que se passa, que transforma muitas pessoas. Então, planejei a academia ideal para ensinar o “não-sul-americano”, ou mesmo qualquer pessoa que nunca imaginou que poderia dançar. Foi muita batalha, tudo feito com muita paixão e determinação. E a idéia de que todo mundo pode dançar, e “dançar bem” é extremamente relativo, nem sempre tem relação com a estética da dança ou do dançarino. - E você está com a academia há quantos anos?
Estou ensinando na Austrália desde que cheguei, há 18 anos atrás. A academia registrada como Rio Rhythmics tem somente 14 anos. - Com quem se especializou?
Fiz muitas aulas com muitos professores do Jaime Arôxa, a começar com o próprio Jaime, Fabiano & Juliana, Adílio e Renata, Armandinho, Drika, Cristóvão, Adriana, Lídio. Centenas de aulas de grupo e particulares. Estudei detalhadamente os movimentos, o estilo, a didática elaborada e analisei os prós e os contras dos princípios da academia. Fiz também aulas com Marquinhos Copacabana e Oswaldo. Ficamos bons amigos, aprendi muito com a filosofia de dança do Marquinhos, uma pessoa de princípios excelentes. Também fiz algumas aulas com Carlinhos de Jesus pessoalmente e uma vez levei alguns alunos para fazerem aulas com alguns de seus professores. Assisti muito Carlinhos dançando e o ouvi falar muito de dança e suas idéias. Um belo dia, descobri Jimmy de Oliveira. Foi um verdadeiro achado. Jimmy está para a dança de salão assim com Isadora Duncan está para o balé, revolucionou mesmo. Também fiz centenas de aulas particulares com Jimmy, várias com Pitt, Luanda, Mônica e Willian. Estudei, e também muito em detalhe, o que Jimmy dança e ensina. Usei muito meu conhecimento de metodologia do ensino para traduzir e explicar o que eu chamo de “mágica do Jimmy”. Por muitos anos frequentei simultaneamente essas 4 academias (quase todo começo de ano). Todas as pessoas com quem fiz aula, e muitos outros que só vi dançando ou entrevistei, fizeram uma contribuição enorme para o que eu ensino hoje. Também observei e conversei muito com muita gente que dança mas nunca aprendeu em academia. Meu pai, minha mãe, meu irmão mais velho e muitos outros que dançam do fundo do coração, onde o passo não é importante, sem regras - o abraço e o sentimento é tudo. Eu sou o embaixador da dança brasileira na Austrália, não posso representar uma academia, um estilo, tenho que ser fiel à dança, não posso enganar o australiano deixando-o pensar que no Brasil só se dança de um jeito, não seria justo. Fiz a mesma coisa na Argentina. Passei muito tempo na Argentina estudando tango. Escolhi alguns professores que respeito muito e estudo muito, mas também aprendi muito com aqueles tangueiros que nunca entraram numa academia de tango mas flutuam no salão das milongas. - Dá aulas de que ritmos?
Samba no Pé, Samba de Gafieira, Lambada (Zouk, como queira - esta é outra longa conversa), Salsa (circular e linha – com muito swing cubano), Bolero, Forró, Tango... E criei um estilo próprio para dançar Bossa Nova. Sempre notei que no Brasil, em geral, quando se toca uma Bossa Nova devagar as pessoas dançam Bolero e quando é uma depressa as pessoas dançam Samba. Já vi no baile tocar uma Bossa Nova e alguns dançarem Samba e outros Bolero. Então decidi criar um estilo novo e específico para dançar Bossa Nova que é bem popular em Brisbane (considerando que mais de 25 mil pessoas já passaram pela Rio Rhythmics). - Há muito australiano interessado em aprender danças de salão?
Em minha opinião, todo ser humano é interessado em aprender a dançar a dois. Dança de Salão é uma forma sistematizada para ensinar alguns estilos específicos de dança a dois. Muitas pessoas têm resistência à sistematização, metodologia e excesso de regras da dança de salão. Se apresentar a dança a dois de uma maneira diferente, tangível, se torna muito mais fácil de ensinar a dança de salão. As pessoas se apaixonam pela dança e pelos estilos. - As academias australianas têm muitos alunos?
Não sei o que você chama de muitos alunos. Tem algumas com uns 200 alunos, talvez uma maior com uns 300, pelo que ouvi dizer. - Quantos alunos sua academia tem?
Rio Rhythmics tem em media 1100 alunos durante o ano todo. - Você foi o primeiro a levar para a Austrália professores brasileiros? Ou outros já faziam carreira por aí?
Eu fui o primeiro brasileiro a dar aula de dança na Austrália. Depois veio Jose Piates, que comecou a ensinar “ballroom” em Sydney. Jose Piates também ensinava um pouco de samba no pé e pagode, que ele chamava de Gafieira. Depois chegaram alguns outros, ensinando em salas alugadas por hora, não era mesmo uma academia. Pelo que todos dizem, e o que observei nestes 18 anos, acho que sou o primeiro a vir e o primeiro a contratar um casal de brasileiros para trabalhar tempo integral com dança. - Que professores você levou para a Austrália durante esses anos?
Eu trouxe muitos professores de tango da Argentina para dar workshops. Do Brasil, o Daniel foi o primeiro mas Daniel viria de um jeito ou de outro porque estava apaixonado por uma das minhas alunas e professora, a Carolyn. Eu só abri as portas, fiz declarações a imigração, e batalhei para ajudar a trazê-lo. Organizei workshops para ele ganhar uma grana e ele reviu sua amada. E agora o Kadu e a Larissa, gente de ouro, estão se tornando legenda aqui na Austrália. Adoro eles, dou a maior força, vou fazer de tudo para colocá-los “lá em cima”. Faço a maior divulgação do casal, consegui que saíssem em muitos jornais e estou sempre procurando promovê-los. A contribuição deles para o nosso time de professores é extremamente importante. Kadu e Larissa, além de serem excelentes dançarinos, muito bons professores, são pessoas muito bonitas internamente, com muita intenção de aprender e crescer. Eles vão longe e vou estar sempre ajudando porque eles fazem por merecer. - Os australianos se interessam muito pelos ritmos brasileiros?
Depende do jeito que se presenta para eles. O ritmo é fantástico e contagiante, o visual é espetacular. Contudo, para o australiano se interessar a fazer aulas e dançar, tem que ser apresentado de um jeito muito especial. Muitos dos meus alunos, quando dançam, você não sabe se são brasileiros ou não. A Carolyn é um grande exemplo, que a dança não está no sangue. É muito mais do jeito que se ensina. - Vocês dão aulas só de samba ou também de forró ou de “soltinho”, que é o jeito brasileiro de se dançar ritmos americanos?
O Soltinho não ensino. De vez em quando damos alguns workshops de soltinho. Aqui na Austrália se dança muito o Jive e o Rock and Roll. Não tenho muito interesse no Soltinho. Já ensinamos 8 estilos, é difícil arranjar tempo para tudo. Se olhar no nosso quadro de horário, em janeiro estaremos oferecendo 67 aulas por semana! - Que ritmo é mais apreciado nos salões de baile?
Em Brisbane, o maior interesse é na Lambada (Zouk) e no Samba de Gafieira, depois vem a Salsa e o Forró. Tem mais academia de Salsa mas, porque já ensinamos mais pessoas que todas as academias juntas, a preferência maior é pelo lado brasileiro. - Há grande interesse pelo samba brasileiro?
Claro. Porque você usa o brasileiro como adjetivo? Existe outro samba? - Você montou (ou vai montar), pelo que estou sabendo, uma mini escola de samba para desfilar no carnaval. Pode nos falar sobre isso?
Toda vez que vou ao Brasil levando grupos para conhecer nossa cultura (já levei mais de 150 pessoas nos últimos 10 anos) desfilamos em uma escola de samba do primeiro grupo (em 2008 sairemos com a Vila). Sempre trago de volta fantasias e, mesmo que eu não esteja presente (porque todo carnaval eu estou no Brasil), fazemos um mini desfile pela rua onde a academia esta situada. - É você que está organizando o Brisbane Latin Dance Congress de junho de 2008?
Não, não sou eu. Sempre pensei em fazer um congresso (um dia ainda vamos fazer), mas Gaspar passou na frente e vai fazer. Como tudo que é bom eu dou valor, estou dando a maior força, para a Rio Rhythmics chegar junto e ajudar esse Congresso a fazer o maior sucesso. Gaspar está fazendo um trabalho muito bom. - E sobre o workshop de samba com Jimmy de Oliveira aí na Austrália, já tem alguma coisa confirmada?
Só de falar nisso me dá dor no coração, batalhei muito para trazer o Jimmy aqui mas ainda não deu certo. Está no meus planos e, como tudo que está nos meus planos, um dia vai acontecer porque eu e meu time vamos trabalhar para trazer Mágico Jimmy aqui. - Por falar em Jimmy, você e seus alunos virão para o II Workshop Oficina do Samba, em janeiro, como fizeram ano passado?
Muito infelizmente este ano não iremos. Mas em 2009 estaremos lá. - Ainda há espaço para mais professores por aí ou já está havendo uma saturação do mercado?
Saturação? Não acredito em saturação. Acredito em muito trabalho e paixão pela dança. Rio Rhythmics só está começando! Quando eu achar um outro casal com a mesma garra e mente aberta como Kadu e Larissa, eles podem fazer as malas. - Quem é sua parceira? Ela é brasileira ou australiana?
Já tive uma parceira brasileira, a minha primeira esposa, com quem cheguei à Austrália. Ela também era bailarina e muito boa de dançar no salão. Minha atual parceira é a minha esposa Jada, uma dançarina fantástica. Jada é australiana. Estudava circo, aprendeu a dançar comigo, morou no Brasil por 6 meses, fez aulas com todo mundo com quem fiz aulas. Jada é, seguramente, uma das melhores dançarinas na Austrália e também excelente professora. Ela coordenava e ajudava no treinamento dos meus outros 15 professsores australianos. Infelizmente um acidente tirou-a de ação quase totalmente por 3 anos. Ela ainda me ajuda muito com a administração da academia. No dia 2 de novembro fomos presenteados com um filho. Estou muito esperançoso que Jada se recupere e possamos dançar juntos no Brasil no ano que vem, aí vocês verão a australiana mais brasileira que existe. - Agora, para matar minha curiosidade: aí, como aqui, tem mais damas que cavalheiros no salão?
Claro. O problema aqui era muito maior, agora está melhorando. Mas sempre digo em brincadeira para meus alunos que Deus sabe o que faz. Os homens em geral precisam praticar mais do que as mulheres, por causa da condução. Então, Deus pôs muito mais mulheres no mundo da dança para os homens praticarem bastante, he, he.
--Fotos: Tarcísio e Jada (acervo pessoal)
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