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Tangos e Milongas

“Para aqueles que querem apreciar as letras do tango, não basta saber o espanhol, mas é preciso conhecer lunfardo"
Por Felipe Rocha(*)

Recentemente, o Brasil recebeu a visita de um famoso grupo musical argentino, chamado Gotan Project.

O Gotan é uma banda que toca músicas do estilo "Tango Eletrônico", onde diversos novos elementos são adicionados dando uma outra sonoridade, muitas vezes maravilhosas para alguns, e horrendas para outros. Eu me encaixo no grupo dos que gostam deste tipo de experimento musical.

Mas, além disso, eles gostam de utilizar também outros elementos "multimídia", como imagens e encenações, o que fez das apresentações no Brasil algo inesquecível para os que puderam assistir.

Aliás, o Tango Eletrônico vem sendo muito utilizado em coreografias e também em filmes, como no filme estrelado por Antonio Banderas, chamado "Vem Dançar" (Take the Lead). A música da coreografia não é do Gotan, mas é também um tango eletrônico. Segue a cena do filme, para ilustrar:



E aqui o Gotan no filme "Shall We Dance":


Outra coreografia dançada em cima de um tango eletrônico:
http://www.youtube.com/watch?v=aX958pBcOfE

VídeoClips do Gotan Project:

Inicio este texto citando o Gotan pois, além de ser um grupo que vale a pena ser conhecido, o seu nome tem uma característica interessante, para os apaixonados do Tango. A palavra "Gotan" nada mais é do que a palavra "Tango", com as sílabas invertidas, sendo que esta inversão de sílabas é chamada de Réves, ou Vesres.

Mas qual a relação desta inversão com o tango? Simples. A relação se encontra no chamado Lunfardo.

O lunfardo é uma espécie de dialeto, gíria, que aparece frequentemente nas letras do tango. E para aqueles que querem apreciar as letras do tango, então, não basta saber o espanhol, mas é preciso conhecer este tal de "lunfardo".

Mas o que é isto, realmente? A palavra lunfardo vem dos "lunfas", que, assim como no nosso português, significa ladrão, trombadinha. Por isso, o lunfardo é o idioma "canero", ou seja, nascido na cana, na prisão. Nasceu neste ambiente pois os delinquentes se comunicavam num idioma próprio, por diversos motivos, como despistar a polícia, facilitar a comunicação através de códigos e facilitar os golpes.

Ora, isto acontece em qualquer lugar do mundo, até mesmo no Brasil. "X9", "aviaozinho", do tráfico... as músicas da periferia do Rio de Janeiro e de São Paulo, o funk, o rap, também possuem em suas letras o seu "lunfardo" brasileiro.

E, assim como ocorre no Brasil, este lunfardo entrou nas letras tangueras, passado a ser uma tradição deste ritmo. Existe uma forte ligação entre o lunfardo e os italianos, pois estes eram presentes na argentina, como colonizadores.

O lunfardo, então, pode acrescentar palavras novas, juntando palavras de procedências diferentes, além de retirar sílabas de certas palavras, como "piante", de "espiante" (fuga), acrescentar sílabas, inverter sílabas (o já citado "Réves"). Ou seja, sempre modificando um pouco as palavras comuns para criar um dialeto próprio, da marginalidade.

O lunfardo chegou a ser proibido na Argentina, em 1943, mas já era um dialeto presente na cultura, na música, na literatura, no teatro, nos poemas... enfim, até dicionários lunfardos foram criados.

Não é preciso estudar a fundo este dialeto para gostar do tango. Mas é interessante saber um pouco da história que está por trás da cultura tanguera, das letras, e da própria dança, pois o tango não é só movimento corporal, mas é um movimento cultural.

Trago outros links sobre o lunfardo, para quem quiser saber mais:

Outra coisa interessante é que o Vesre, ou Revés, que é no lunfardo o ato de
inverter sílabas, acaba também aparecendo na dança.
Mas isto fica para depois. ;-)

(*) Felipe Rocha é de Salvador, Bahia, ativo participante da comunidade do Orkut "Dança de Salão Bahia" e escritor nas (poucas) horas vagas. Agradecemos muitíssimo sua participação neste blog.

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