Professor e aluno: uma relação que não é estática
Por Felipe Rocha*
Faço este texto inspirado numa postagem que vi no YouTube, sobre um rapaz, vendedor de aparelhos celulares, que se apresentou num programa de talentos na Inglaterra, estilo “American Idols”, desajeitado, tímido e nervoso. Quando comunicou que cantaria uma ópera, os jurados se entreolharam, com aquela expressão “Meu Deus, que coisa deve sair!”. Foi quando Paul abriu a boca e soltou a voz cantando “Nessun Dorma”. Emocionou a todos. Uma das juradas chegou a chorar.
Bom, nessas horas a imagem vale mais do que mil palavras:
Daí pra frente foi só vitória para esse singelo homem.
Vejam a semi-final interpretando outra música:
E a final, com a mesma música e uma grande torcida organizada.
Ele venceu o concurso levando 100 mil libras para casa.
Mas o que isso tem a ver com Professor e Aluno, ou mesmo com Dança de Salão ou danças a dois?
Eu respondo: preconceito.
E aqui começo meu ensaio sobre o tema proposto: quem é professor e quem é aluno no ambiente da dança de salão.
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Os termos “Professor” e “Aluno” são termos que são embutidos de grandes preconceitos, e muito pouco utilizado na pedagogia atual. “Aluno” vem daquele que não tem luz. Alumni. “Professor” vem daquele que professa. Se observarem bem, são palavras que mostram objetos estáticos. O “sem luz” de um lado, aberto para receber objetos de conhecimento que saem do outro lado, o “semideus” que professa, que transmite, o inalcançável, o intocável.
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Hoje, o que as pessoas mais querem ser é autoridade. Não é a toa que todos se tornam “professores” de qualquer coisa, sem mesmo saberem o que significa ser um professor de verdade. Querem ser, por assim conseguirem ser autoridades. São importantes. Possuem vários alunos, seres infelizes, sem luz, que eles, professores, podem iluminar e ajudar a tirar das trevas.
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Talvez a relação com o vídeo ainda não esteja clara.
O que pode ajudar a tornar as coisas mais límpidas é o conhecimento dos termos utilizados no lugar do ultrapassado “professor” e “aluno”. Eu nunca quero ser um professor, no sentido comum, como esses normalmente são. E eu sei que nunca serei um aluno. O que deve existir é o ensinante e o aprendente. São palavras que são dinâmicas.
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O ensinante está sempre ensinando, mas, ao mesmo tempo, ele é sempre um aprendente, esse que nunca é vazio, sem luz, mas que sabe algo e sempre tem mais a aprender - e o principal - a ensinar.
O ensinante tem a obrigação de se reconhecer no outro - o aprendente - que se reconhece no ensinante. É uma relação mútua, onde os papéis devem se confundir, pois é assim que as coisas são. Quando os papéis não se confundem, então tenham medo: vocês estão diante de um semi-deus romano, ou quem sabe bárbaro, que pode a qualquer momento lhes esmagar com a tamanha “sabedoria” que só ele possui.
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Mas qual o primeiro passo para deixarmos de ser “professores” e “alunos” para sermos ensinantes-aprendentes?
Aqui entra o vídeo: devemos remover nossos preconceitos.
Os jurados reconheceram o talento daquele ser que veio do nada, do trabalho de vendedor de celular, que pouco tinha cantado profissionalmente. É verdade: não é preciso ter 10, 15 anos de profissão para ser o melhor. É possível aparecer pessoas com um ano de experiência e ser melhor do que alguém com 15 anos.
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E reconhecemos um ensinante-aprendente quando vemos nele o reconhecimento de talentos, o reconhecimento de não ser o melhor, mas de aceitar e levantar outros que são novos e são melhores do que ele.
Aqui começamos a saber quem verdadeiramente é ensinante-aprendente e quem é um mísero professor.
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No meio da dança em todo o país parece ser notável a existência de semideuses, pessoas que gritam “TENHO 15 ANOS DE EXPERIÊNCIA. QUEM É VOCÊ PARA DIZER QUE ESTOU ERRADO???” .
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Parece que na dança muitas vezes mais vale um ego inflado do que uma arte evoluída. Óbvio que isto não é só na dança. Mas este é o escopo por estar nesta comunidade.
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Quando será que iremos ver ensinantes-aprendentes em escolas de dança, assumindo que sabem menos que um determinado aprendente? Felizmente posso dizer que conheci alguns que assumem que não são semideuses. E puderam me dar a oportunidade de compartilhar o pouco que sei com eles. Mas outros... Outros tratam de todas as maneiras calar aqueles que os acabam expondo. “Não acessem o orkut!”,”Não leiam os textos de tal e tal pessoa”, “Não ouçam o que diz aquele meninão, que não tem o mesmo tempo de profissão que ele!”. Resumindo, deveriam ser mais claros: “Fiquem nas trevas da ignorância e deixem que eu lhes guie, caro mortal, pois eu sou um semideus!!!”.
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O vídeo do Paul, o cantor de ópera, pode mostrar que um talento reconhecido e bem trabalhado só faz com que as coisas cresçam, brilhem, sejam significantes!
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Mas quando o nosso ego fala mais forte e não aceitamos que os pequenos, como disse Jesus, são os verdadeiros Grandes, não aceitamos que outros possam saber mais do que nós, nós nos tornamos, então, um verdadeiro “Professor”. Um semideus que governa o mundo à nossa volta. E perdemos a oportunidade de ser um ensinante-aprendente que humaniza a sociedade, compartilhando seu conhecimento e estimulando o crescimento e valorização da profissão e da arte de dançar a dois.
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É preciso assumir que anos de profissão não significa sempre saber de tudo.
É preciso assumir que existem pessoas que sabem mais, às vezes muito mais do que nós.
É preciso assumir que aquele que aprende não é alguém sem luz, mas apenas alguém que é um ali é um aprendente mas, também, é um ensinante.
É preciso mudar, para fazer com que a dança de salão e a dança a dois sejam valorizadas.
É preciso, gente, HUMANIZAR!!
- Felipe Rocha mora em Salvador, ensina – e aprende – danças de salão, e é integrante da Comunidade Dança de Salão – Bahia, onde propôs a discussão deste tópico, que reproduzimos com sua autorização.
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Atualização de postagem em 17/01/08: assistam a seguir, se tiverem a mesma curiosidade que eu tive, a apresentação da segunda colocada no mesmo concurso, uma menininha que tremia feito vara verde (brincadeira...).
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